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Cardeal faz alerta sobre situação na Amazônia

Por Michelle Oliveira (Folhapress)

No primeiro dia do Sínodo da Amazônia, no Vaticano, o cardeal dom Cláudio Hummes, relator- -geral do evento, afirmou segunda-feira (7) que a vida nessa região nunca esteve tão ameaçada, devido a problemas gerados por situações que contam com a “conivência” ou a “permissividade” de governos e até autoridades indígenas.

A fala fez parte da sua apresentação dos temas que serão abordados pelos 250 participantes da assembleia que reúne bispos, especialistas e outros convidados da região amazônica. Junto com o Brasil, são nove países que se espalham pelo bioma – do total de 185 bispos, 57 são brasileiros.

- A vida na Amazônia talvez nunca tenha estado tão ameaçada como hoje, pela destruição e exploração ambiental, pela violação sistemática dos direitos humanos elementares da população amazônica, de modo especial, a violação do direitos dos povos indígenas - disse o cardeal, sentado ao lado do papa Francisco.

O brasileiro preside a Comissão Episcopal pela Amazônia da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e a Repam (Rede Eclesial Pan-Amazônica).

- Segundo o processo de escuta sinodal da população, na Amazônia a ameaça à vida deriva de interesses econômicos e políticos dos setores dominantes da sociedade atual, de maneira especial de empresas que extraem de modo predatório e irresponsável, legal ou ilegalmente, as riquezas do subsolo e da biodiversidade - disse.

O cardeal acrescentou que isso ocorre “muitas vezes em conivência ou com permissividade dos governos locais e nacionais e por vezes até com o consenso de alguma autoridade indígena”.

O relatório do cardeal ecoa dados recentes sobre o aumento do desmatamento na floresta e o crescimento de invasões e violência contra moradores da porção brasileira do bioma.

O evento no Vaticano foi alvo de críticas do governo Jair Bolsonaro (PSL), que o avalia como uma tentativa de questionar a soberania nacional na Amazônia.

O sínodo tem como ponto de partida o “instrumentum laboris”, um instrumento de trabalho que, na prática, funciona como uma pauta para o início das discussões. Essa sequência de temas foi elaborada a partir da escuta da população dos noves países da Amazônia, com mais de 87 mil pessoas oficialmente consultadas.

Dom Cláudio fez uma lista dos motivos que estão, segundo relatos das comunidades, ameaçando vidas na região: criminalização e assassinato de líderes e defensores do território, presença de madeireiras legais e ilegais e grandes projetos como hidrelétricas, além de desmatamento para produzir monoculturas e narcotráfico, entre outros.

O cardeal também destacou a precariedade da vida urbana da Amazônia, causada por fluxos migratórios, tanto entre países da América Latina quanto pelo movimento de indígenas que se mudam para as cidades:

- Eles [indígenas] necessitam de uma lúcida e misericordiosa atenção para não perecerem culturalmente e mesmo humanamente na cidade, enfrentando miséria, descaso, desprezo e rejeição e consequentemente provando um vazio interior desesperador.

Os temas do sínodo estão organizados em dois eixos: ação da Igreja e questões ambientais.

A abertura da sessão inaugural foi precedida por uma cerimônia fechada na Basílica de São Pedro entre o papa Francisco, os bispos e representantes de povos tradicionais. O pontífice presenciou o grupo entoar cantos vestidos com adereços indígenas e carregando símbolos como canoa, redes de pesca e instrumentos. Depois, Francisco caminhou até a sala do sínodo cercado por índios e missionários que carregavam cartazes com o nome e o rosto desenhado de ativistas que morreram na região, como Chico Mendes, assassinado em 1988 no Acre.

Na abertura da sessão, o papa Francisco disse que a ação pastoral da Igreja Católica deve evitar “colonizações ideológicas que destroem ou reduzem a idiossincrasia dos povos” e citou a situação da Argentina:

- Em nosso país, um lema “civilização e barbárie” serviu para dividir, aniquilar e chegou ao auge, no fim dos anos 1980, de aniquilar a maioria dos povos originários, porque eram a barbárie e a civilização vinha do outro lado. E isso, “civilização e barbárie” [...], segue na minha pátria, com palavras ofensivas, como “civilização de segundo grau”, “bolitas”, “paraguas”, “cabecinhas negras” - disse ele, citando algumas ofensas dirigidas a descendentes de indígenas argentinos.

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