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Angústia, desamparo, intolerância

Por Rodrigo Fonseca Especial para o Correio da Manhã

Em meio a confete, serpentinas e batuque de blocos, o carnaval é uma data que costuma, historicamente, deixar os exibidores brasileiros sorrindo de orelha a orelha, uma vez que as salas (sobretudo aquelas dedicadas ao dito “filme de arte”) lotam de gente sem paciência pra folia, valorizando a carreira nacional de produções calcadas no risco. E foi nesse contexto que as salas de exibição brasileiras receberam “O jovem Ahmed”, a nova experiência de investigação sobre o desamparo social ou existencial empreendida pelos irmãos Luc e Jean-Pierre Dardenne, sexagenária dupla vinda da Bélgica que reinventou a representação do real e do naturalismo em longas- -metragens como “Rosetta” e “A criança”, ambos laureados com a Palma de Ouro, em 1999 e 2005, respectivamente.

Esse exercício mais recente deu a eles o prêmio de direção em Cannes em 2019, pela construção de um filme-debate sobre leituras equivocadas do Alcorão. Idir Ben Addi tem uma atuação perturbadora no papel de um fiel do Islã que, no furor hormonal da adolescência, abraça o extremismo religioso a um preço alto. Os dois conversaram com o CORREIO DA MANHÃ durante o 22º Rendez-vous Avec Le Cinéma Français, um fórum promocional realizado em janeiro em Paris, idealizado para atrair os holofotes mundiais para a nova safra da França no audiovisual.

Qual é o risco de se enveredar pelo mundo islâmico numa narrativa que flagra os perigos do  fundamentalismo?

LUC:  A questão central deste filme não é o Islã em si, mas sim as angústias juvenis que, por conta de um certo desamparo existencial, pode levar um adolescente a um gesto desmedido. O que nos atraiu a explorar este mundo é a oportunidade de falar da juventude contemporânea a partir de uma certa ilusão de pertencimento.

JEAN-PIERRE:  Esbarramos aqui contra um muro moral de intolerância que se ergue em torno de uma noção equivocada de pureza cultural. A ideia de que possa existir uma conduta que venha a desagradar o Absoluto leva um rapaz a querer matar. É isso que tentamos estudar aqui. 

E qual a jornada de descobertas desse jovem vivido por Idir Ben Addi?

JEAN-PIERRE:  Não é o trágico que nos interessa, embora nesta narrativa exista um rapaz que põe sua vida em risco. O que importa são as escolhas morais que boicotam uma vida em paralelo ao que o desejo nos aponta. Não estão em jogo as descobertas de Ahmed mas sim o ônus de suas atitudes.

LUC:  Tudo no cinema depende na maneira como você posiciona a câmera não apenas em relação ao ambiente, ao espaço, mas em relação aos vetores culturais que constroem sua reexão, sua narrativa. Nossa câmera aqui não é de denúncia, é de observação, para entender, com calma, o que se passa no universo interno de Ahmed. Existem atitudes, aparentemente corriqueiras, que, num estalar de dedos, podem destruir uma vida. Este filme é uma análise desses gestos e dos desastres a ele inerentes, abalando uma série de descobertas da vida adolescente.

Vocês hoje, na produtora Les Films du Fleuve, têm uma das mais sólidas engenharias de suporte a filmes de verve autoral na Europa. Como se dá a mecânica de investimento no audiovisual na Bélgica?

LUC:  Devemos muito a festivais como Cannes. Toda a nossa trajetória, dos anos 1990 para cá, tem uma dívida com a vitrine que a Croisette abriu para nossos filmes, promovendo não só as nossas reflexões, como nosso sistema de produzir, numa troca que favoreça a diversidade do cinema europeu.

JEAN-PIERRE: Quando falam que nós produzimos ‘contos morais’, eu penso que esse um rótulo novo para algo secular, que é a preocupação com a condição humana e com situações que façam da submissão, seja econômica ou religiosa, um cabresto para o respeito ao próximo. A preocupação que meu irmão e eu temos ao contar histórias é não estilizar, para fugir do risco da adjetivação. “O jovem Ahmed”, por exemplo, não é sobre um bloco político, um credo, é apenas uma forma de prestar atenção a um indivíduo.

 

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