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Coluna Magnavita: Plano Jujuba falha e Tristão é finalmente exonerado

Depois de Tristão dizer que deputado no Rio se comprava com 'jujuba', a exemplo da fábula, o rei está nú, ofereceu cargos de um governo que desmoronava e só ele não percebia. Tardiamente, exonerou o seu sócio e provedor dos recursos que aportou na sua campanha. O ato de desespero só ocorreu depois que a Justiça negou, no dia 1º de junho, às 18h27m, o habeas-corpus preventivo solicitado por um advogado residente no Recife, para não deixar digitais. Deputados não perceberam o gesto como um aceno de boa vontade e paz, mas um ato de desespero para salvar o mandato. A Operação 'Jujuba' fracassou e foi trocada por um teatro de marionetes. Veja revelação dos bastidores e de como o governo Witzel se esfacelou.

Por Cláudio Magnavita*

A exoneração de Lucas Tristão não é para ser comemorada. É mais um triste episódio de fatos lamentáveis que assola o Governo do Rio há 15 meses. Não é um ato publicado no Diário Oficial que resolve magicamente a crise de governança que o Rio atravessa. É preciso ter a visão de um todo. Nos últimos meses, estamos percebendo apenas capítulo a capítulo - apenas pequenos cortes - de uma tragédia anunciada e que teve início já no dia da apuração do resultado do segundo turno. Um QG informal da campanha do PSC teve um frio na espinha quando o ganhador lançou para vários interlocutores uma questão, ao ser anunciado o resultado das urnas.

“Vocês sabem com quem estão falando?”, perguntou Wilson Witzel aos presentes. A resposta foi uníssona: “Claro, com o novo governador do Rio de Janeiro!”

A resposta causou um profundo silencio de surpresa, foi um sonoro “Não!”. A platéia, ainda assustada, ouviu ele complementar: “Estão falando com o novo Presidente da República!”

Este caso reflete o que ocorreu a partir desse momento. Ao invés de pensar em governar, a mosca azul de apenas uma primeira vitória nas urnas o picou com tanta força que o objetivo passava a ser a próxima etapa, o Planalto.

Os ritos do poder, com faixas, broches, flexões, camuflados, corrida com as forças de elites passaram a ser muito mais do que folclóricos. Envolvia todo o núcleo familiar, inclusive as crianças que passaram a viver um sonho de cinderela com dinheiro, a palácio, mordomias e até com a presença da rainha sogra, exigindo um ritual de refeições dignas de hotéis cinco estrelas para ela, sua filha, netos e genro.

Uma cena muito própria da pré-visita ao palácio que iriam residir e que surpreendeu o ocupante de então, o simplório homem do interior, Luiz Fernando Pezão, que recebeu um juiz federal, fascinado com uma remota chance de poder residir no Palácio das Laranjeiras.

Situações muito delicadas, que podem afetar a possibilidade de percepção de realidade de crianças e pré-adolescentes. Para adultos, é diferente. Trata-se praticamente de uma patologia freudiana.
É importante compreender este cenário para entender uma pessoa que começou a se cercar de interlocutores que diziam o que ele queria ouvir e não o que ele precisava ouvir.

Nesta formação de contextos é importante destacar que até os opositores torciam pelo seu sucesso. Estava eleito um governador que teve o apoio firme do filho do presidente, Flavio Bolsonaro, eleito que também conquistou uma cadeira do Senado, ao lado de um outro novo senador conservador, Arolde de Oliveira.

Um clima perfeito para dar certo. A ida a Brasília para a posse de Bolsonaro, depois de receber uma faixa inventada por sua equipe das mãos de Francisco Dornelles, foi de carona no avião da FAB do Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na companhia festiva do então amigo e ex-colega, o juiz Marcelo Brettas.

Essa presença em Brasília na posse de Bolsonaro só aguçou a sua certeza que ele estaria alí recebendo a faixa verde amarela. Só potencializou a fase de pré-embriaguez eleitoral. Voltou pior do que foi.

O núcleo dos chatos, incluindo o então chefe da Casa Civil, José Luís Zamith, e o “espião” do Bolsonaro, Gutemberg Fonseca, foram exonerados. A gestão técnica e dura foi passando para o grupo dos puxa-sacos. No caso de Gutemberg, ficou claro o início de uma ruptura com Brasília.

Enquanto Wilson Witzel usufruía o lado festivo do governo, os novos gestores começaram a se digladiar por espaço e agendas de negócios, principalmente nos caixas mais parrudos. De um lado Lucas Tristão, sócio e amigo íntimo do governador, e de outro, pastor Everaldo Pereira, ex-patrão e líder da legenda.

CONQUISTA DO PLANALTO

Jair Bolsonaro passou de patrono à condição de adversário, culminando com misteriosas conexões, com operações envolvendo o Ministério Público estadual e a Polícia Civil, tentando atingir exatamente o seu principal eleitor, Flavio Bolsonaro.

Vale registrar ainda uma conversa ao pé de ouvido em Brasília, quando em um evento em clube militar, Witzel tentou alertar o presidente Bolsonaro sobre um “possível” envolvimento com o assassinato da vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes.

A partir deste episódio, a situação entre Witzel e a família Bolsonaro se tornou insustentável, o governador passou a receber o carimbo de traidor e nunca mais teve paz na sua rede social. A sua imagem começou a ruir.

A primeira mexida de secretariado foi exatamente pensando em alianças para 2022, na eleição federal. Foi assim com o PP, Solidariedade e DEM, até que foi alertado que estava deixando aberta, nos acordos, a porta para a eleição estadual. Podia lhe custar apoio para uma remota reeleição, já que objetivo prioritário era o Planalto.

Em todo este período, os deputados estaduais foram relegados a segundo plano. Na Alerj, o líder Marcio Pacheco cuidava dos pleitos, o vice-governador Cláudio Castro, escolhido exatamente por ter demostrado experiencia no trato com a classe politica, fazia o meio de campo.

Até a tentativa de se apropriar do espolio do PSL, após a briga com Bolsonaro, envolvia a legenda para 2022, na disputa presidencial. Tentou criar um possível candidato à sucessão do prefeito Crivella, com quem tentou brigar e atirar várias vezes. O episódio rendeu a manchete do Correio da Manhã em setembro de 2019: “Metralhadora Witzel”, com mensagens compulsivas contra o prefeito e que, após publicada, resultou no bloqueio do WhatsApp do jornal pelo governador. Ele colou o Governo do Rio a serviço do seu plano presidencial.

Nesta visão de todo, Witzel ficava fascinado com o livre trânsito do seu secretário da representação em Brasília, André Moura, nas interlocuções que possuía na capital federal, como ex-lider do governo anterior, e com a facilidade que possuía para marcar audiências e possibilitar agendas impossíveis.

Em um jantar na residência do advogado Fabio Medina, convida André Moura para assumir a sua Casa Civil e afasta um dos seus mais fieis aliados históricos, o José Luís Zamith, conhecido como o homem do “não” e que colocava freios nos avanços de Tristão e Everaldo. No meio deste fogo cruzado, preferiu sair a ser deslocado para outro cargo na administração estadual. Qualquer presidência séria, Cedae ou Detran por exemplo, esbarrava na agenda de Lucas ou do presidente do PSC.

No governo, André Moura, como homem do parlamento, começou a construir um relacionamento com os parlamentares na base da confiança, no atendimento, e pela primeira vez falando uma linguagem de respeito com os deputados. Moura entrou no governo a convite do pastor Everaldo para ocupar a pasta em Brasília, mas a sua migração para a Casa Civil foi fruto da relação que construiu com o governador. O pastor não ficou satisfeito e se afastou. Hoje, Moura se queixa para deputados que, após a sua exoneração, Everaldo nunca ligou para prestar solidariedade ou para saber como está.

O governo virou um gigantesco octógono do MMA. Governador brigando com o presidente, o grupo de Lucas com o pastor e a saúde sendo dividida em duas. Os contratos anteriores só com o Everaldo e os contratos de emergência entre Lucas/Mario Peixoto, além de alguma coisa para Pereira, sempre com a intermediação do Cássio Rodrigues. A briga mais grave foi de Lucas com a Alerj.

Até com a prisão do Mario Peixoto, os negócios não pararam e surge a agenda da privatização da Cedae e um novo operador, ligado a ensino superior, tentando pegar um pedaço do bolo. Ainda cisca e pega migalhas.

A falta de percepção de realidade levou o Estado a bancar o Carnaval, pedindo ao seu maior devedor, a Refint, 20,5 milhões de reais, dinheiro que irrigou a Liesa, que por sua vez pagou toda a mordomia do camarote, inclusive caixas de uísque 12 anos.

Corre a suspeita nos corredores do anexo do Guanabara que uma licença ambiental das Refit, custou R$ 5 milhões, e foi acertada em Miami, com a presença do favorito e onipresente Mario Peixoto.

Um pouco antes da crise da Cedae, ficou exposta a incapacidade do governo de administrar problemas, mesmo tendo a FSB e a Soma, como seus braços de comunicação. Na Cedae e nas crises seguintes, a capacidade de reação do governo foi nula. A troca de comando e as férias do governador na Flórida só caracterizam a crise de governança que o Estado atravessa.

Os fatos consumados nas últimas semanas são desastrosos não apenas para o povo do Rio, que está morrendo com a falta de respiradores, mas para um Estado que perdeu seis secretários em uma semana.

A primeira canetada demitiu o major PM, Edmar Silva no sábado, e na segunda, o nomeou usando a vaga de SS, de Chefia de Gabinete, que foi liberada quando Cleiton Rodrigues foi para a Secretaria de Governo. Aliás, ele tinha sido o único do primeiro escalão a bater duro contra o Iabas, e tem sido um dos pouco que virou chato por dizer a situação verdadeira ao governador.

PLANO JUJUBA

Na execução do plano JUJUBA, bolado de Lucas Tristão, o Cleiton Rodrigues quase perde o cargo para um “deputado jujuba” ou para dar a cadeira ao seu fiel escudeiro Ramon Neves, uma das marionetes de Tristão, e que pode ser conduzido agora para a pasta do Desenvolvimento Econômico, sempre escoltado pelo seu fiel escudeiro, Edmir Amanajás Celestino.

O plano JUJUBA começou com a exoneração simultânea de André Moura e Luís Cláudio Carvalho. A Casa Civil e Fazenda passaram ao comando de subordinados de Tristão. Cássio foi trazido de volta para a Casa Civil.

Um cenário que levou a mídia a batizar o sócio do Witzel de Super-Secretário e chamando por parte da Alerj de “Governador em Exercício”.

O governador Witzel, sem menor lealdade aos seus colabores diretos e sem avisá-los previamente, colocou a cabeça de importantes quadros na guilhotina. Foram oferecidas secretarias ocupadas por secretários sem vinculação partidária, como Transportes por Delmo Pinho, e o Turismo pelo ex-deputado Otavio Leite. Esportes e Cultura também foram a leilão no plano Jujuba para seduzir deputados.

O que o Governador não contava era com a formação de um espírito de corpo no Legislativo, passando por um processo de valorização dos mandatos e unidos por um sistema de audiências revolucionário, nos quais os colegas passaram pela primeira vez a escutar plenamente o outro, sem fazer ouvido de mercador e descobriram uma riqueza de diversidades e principalmente de afinidades, que o plenário físico não permitia.

O Legislativo sairá da pandemia diferente e, principalmente, fortalecido pelas propostas e projetos que viraram lei, colocados em pratica. Enquanto o Executivo se esfacelava, o Legislativo atuou de forma exemplar.

O plano JUJUBA do Tristão foi o canto da sereia (sem trocadilhos com a figura mitológica do “sereio”) e resultou no impensável, na sua exoneração.

O cuidado agora é observar os movimentos para que a exoneração não seja um jogo de cena que permita o surgimento de um teatro de marionetes, no qual os interesses do Lucas do Carmo Tristão continuem a funcionar em diversas pastas. Um exemplo é o pastor Everaldo, que não está frequentando o palácio e secretarias e tem os seus desejos atendidos por interlocutores como o Cássio.

O fato concreto é que ele perdeu o seu foro privilegiado e está à disposição da primeira instancia e uma simples canetada de um juiz pode levá-lo a conviver com o inseparável Mario Peixoto.

A exoneração do Lucas Tristão pode ser interpretada como o fato de o governador ter acordado do seu sono de Cinderela, ao receber o beijo da realidade.

Alguns pontos da reação do governador ainda preocupam. Na sua defesa no STJ, Witzel bateu duro no Ministério Publico Federal e fez acusações sobre manipulação política da investigação. Foi a mesma linha do seu primeiro pronunciamento após a operação policial nas Laranjeiras, atacando a Policia Federal.

Resta ao Witzel juntar os cacos, deletar os seus sonhos presidenciais e passar a ser governador de fato e não apenas de direito.

O difícil é resgatar o mesmo entusiasmo e os votos de sucesso das primeiras semanas. Para uns, Witzel está maculado pela corrupção e, para outros, é um incompentente que deixou verdadeiras quadrilhas agirem livremente, enquanto só pensava na faixa de presidente.

Neste cenário, o sentimento de paz evapora quando, a partir de informações do próprio governo, começa um processo de fritura do vice-governador Cláudio Castro, inclusive com a revelação do emprego de contraparentes. Tudo vazado a partir do Guanabara. Um dos últimos atos de Lucas Tristão foi exatamente um embate com o vice.

Os últimos atos, como criminalizar o Iabas - que o próprio Estado contratou sem processo seletivo - demonstram que Witzel resolveu finalmente governar o Rio. Resta saber se ainda será possível.


*Claudio Magnavita é diretor de Redação do Correio da Manhã

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