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Coluna Ricardo Cravo Albin: Affonso Arinos e a Sexta 13

O título acima envolve dois fatos que se somam em evento duplamente trágico não só para mim como para o Brasil. Em pouco mais de nefastas 24 horas, a sexta-feira 13 de março quase que roça o domingo 15  para sinalizar perduras e amargas perdas. O Brasil encerrou a semana mais pobre com a morte do escritor, diplomata e político Affonso Arinos de Mello Franco. O que, somado às surpresas da sexta 13, potencializou, ao menos para mim, perdas e contextos inesperados jamais vistos neste país. Foram anunciadas dois dias antes da perda de Affonso medidas extremas para conter a pandemia, na mais alarmante e aziaga sexta 13 de que lembro.

A crise da epidemia começou em remota província da China alastrando-se pelos cinco continentes em apenas dois meses e meio. Mas até parecia que nunca chegaria ao Brasil, tal o silêncio das autoridades.

Enquanto a cada semana o mundo se espantava com os infectados, em crescendo geométrico nos países mais diversos, nós parecíamos viver aqui em pleno Sítio do Pica Pau Amarelo, com Dona Benta e Tia Anastácia, supostos governantes, provendo conselhos vagos à população de Pedrinhos, Narizinhos e Emílias.

Até que os dirigentes (movidos talvez, quem sabe?, pelo pó de pirlimpimpim) pareceram despertar, como num passe de mágica, na fatídica sexta 13. De repente conscientizaram-se da decretação pela OMS de pandemia devastadora, a que se somou (para nós) a volta de Bolsonaro do jantar com Trump em Miami, quando o vírus se teria espalhado no avião presidencial.

A sexta-feira explodiu em um festival de medidas drásticas, tal como uma noite de Bartolomeu sem data para acabar, porque aprisionando a população até de trafegar na rua, sair de casa, ou ir à praia. Acodiu-me de imediato correr ao livro A Peste, de Camus, e lá estava tudo descrito. Nessa atmosfera de quase terror, pairou também em minha mente a tragédia do século XX, a Gripe Espanhola, que ceifou milhões de vidas em todo país. Ou seja, pareceu-me que o fi m do mundo se avizinhava por aqui. Como se uma 3ª Guerra Mundial Bacteriológica, só admitida em livros de ficção científica, batesse às portas da humanidade no século XXI. 

O Brasil amanheceu um outro país no sábado. Saía do pesadelo da inconsciência para despertar em outro pesadelo.

Nesse quadro de surpresas jamais imaginadas, morre Affonso Arinos, um doce cidadão e amável amigo, cuja penetração na literatura e na diplomacia o alçaria à ABL, tal como seu ilustre pai, o senador e professor, Affonsinho, foi um dos fundadores do nosso Instituto na Urca. Por tudo. Até porque sempre exercitou uma capacidade singularíssima de delicadezas e refinada educação pessoal. Não era, para menos, altaneiro representante (do que se orgulhava) dos Mello Franco, clã de gente de fi na extirpe a ser reverenciada nesta selva generalizada de grosserias e maus comportamentos. Que nosso país e nossos dirigentes se aprazem em exibir. E praticarem os malfeitos em crescendo de exemplos maiores que o aumento horrorizante do coronavírus, que já nos cerca ameaçadoramente.

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