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Dramas de quem está na linha de frente

Covid-19 já matou 14 funcionários da Cedae. Estações de tratamento são o setor mais vulnerável

Por: Affonso Nunes

Desde o início da pandemia do coronavírus, a Cedae contabiliza as mortes de 14 funcionários – quatro apenas no último fim de semana - e um grande número de trabalhadores infectados pelo Covid19. A proliferação de casos na empresa confirma o alerta dado em estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) sobre a contaminação pela via feco-oral dos trabalhadores do setor saneamento, em especial dos que operam Estações de Tratamento de Esgotos (ETEs). E uma pesquisa da Fiocruz constatou a existência de riscos da presença do Covid-19 nos esgotos da estação de tratamento da concessionária Águas de Niterói. As duas denúncias mereceram destaque nas edições de 2 e 28 de abril do Correio da Manhã, respectivamente.

Os perigos alertados, no entanto, não encontraram receptividade nas companhias de saneamento que não implantaram planos de contingência e ações de proteção de saúde com a urgência que a pandemia exige. Nas duas últimas semanas, faleceram três funcionários, sendo que um deles trabalhava na Estação de Tratamento de Água (ETA) de Laranjal, em São Gonçalo. A idade média dos trabalhadores/as da Cedae é de 57 anos – um contingente dentro da faixa de maior risco em relação ao Covid-19.

O Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Saneamento e Meio Ambiente do Estado (Sintsama) considera que a Cedae está demorando a tomar providências para proteger seus funcionários. “A companhia desempenha funções essenciais e os trabalhadores estão na linha de frente, mas não estamos vendo agilidade da Cedae para proteger suas equipes. O trabalho que está sendo feito nas comunidades não se reflete internamente, ou seja, a companhia joga para a plateia mas não faz o dever de casa”, denuncia Humberto Lemos, presidente do Sintsama, acrescentando que a vulnerabilidade dos funcionários face ao Covid-19 atinge todos os setores indiscriminadamente.

A entidade conseguiu junto à direção da Cedae suspender o trabalho de leitura dos hidrômetros, que leva uma grande quantidade de funcionários às ruas. Mas Lemos admite que os trabalhadores que atuam na manutenção das redes de esgoto estão sob maior ameaça. “Isso sem contar as pessoas assintomáticas que podem estar contaminando colegas em todos os setores no dia a dia. É preciso disponibilizar equipamentos de proteção e testes mais rápido do que está acontecendo. O vírus não espera pela burocracia da empresa”, critica.

No dia 31 de março de 2020, o Movimento Baía Viva protocolou uma representação judicial encaminhada ao Ministérios Públicos Federal e Estadual alertando para o risco de infecção por Covid-19 pela via feco-oral dos trabalhadores do setor saneamento, em especial dos que operam estações de tratamento de esgotos da Cedae, de sistemas municipais de água e esgotos e de concessionárias privadas. A base da denúncia engloba não apenas o estudo da UFMG, mas dados de levantamentos semelhantes feitos em outros países.

No âmbito do MPF a investigação está a cargo do Procurador da República da Região dos Lagos, Leandro Mitidieri. “Já expedimos ofício requisitando informações sobre as providências tomadas para proteção dos trabalhadores. Também já passamos a questão ao Ministério Público do Trabalho”, explica Mitidieri, acrescentando já ter participado de uma primeira reunião virtual, no último dia 13, com a concessionária Prolagos, que atende os municípios de Cabo Frio, Armação dos Búzios, Iguaba Grande, Arraial do Cabo e São Pedro da Aldeia. “Agora estamos cobrando a comprovação das medidas adotadas pelas empresas de saneamento”, completa.

No caso do MP Estadual, após tramitar na 1ª. Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Proteção ao Meio Ambiente e Patrimônio Cultural da Comarca da Capital, a representação do Baía Viva foi encaminhada ao Ministério Público do Trabalho (MPT) e à Promotoria de Tutela Coletiva da Saúde do próprio MP Estadual.

Na representação, protocolada poucos dias após a decretação da emergência sanitária no estado, o Baía Viva também cobrava providências em relação à retomada dos investimentos públicos em saneamento básico já que desde 2016, com a decretação da falência financeira do estado do Rio de Janeiro, todas as obras de saneamento foram paralisadas, estão inacabadas. A ONG critica ainda o descumprimento pelas prefeituras fluminenses da obrigatoriedade de implantação dos Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB), previstos na Lei Federal no. 11.445/2007, que não tem saído do papel.

“A pandemia sanitária do Covid-19 tem aprofundado este grave quadro de vulnerabilidade social associado a um cenário de múltiplas crises que tem impactado, principalmente, as comunidades pobres que vivem em comunidades e periferias urbanas e os próprios trabalhadores/as do setor saneamento", sustenta o ambientalista Sérgio Ricardo, que assina o documento.

Para reverter este quadro preocupante, a ONG exige do governo estadual a retomada das obras de saneamento básico em municípios do entorno da Baía de Guanabara (Baixada Fluminense, São Gonçalo e Magé) e na Baixada de Jacarepaguá que foram todas paralisadas, e encontram-se inacabadas, desde a decretação do "estado de calamidade financeira" entre 2016 e 2017, logo após as Olimpíadas de 2016. A despoluição de 80% da baía de Guanabara fazia parte do legado ambiental olímpico prometido pelas autoridades fluminenses ao Comitê Olímpico Internacional (COI).

Nesta última sexta-feira (22), foi lançada virtualmente a campanha "Água boa para todos e todas". Ação é encabeçada por diversos coletivos e organizações populares, parlamentares e sindicatos de trabalhadores da Cedae, com o objetivo de pressionar o poder público para a retomada dos investimentos no setor saneamento – com acesso à água potável e tratamento de esgotos - que é considerado estratégico e fundamental para a prevenção de doenças de veiculação hídrica e para reduzir os efeitos devastadores da pandemia do coronavírus.

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