Contra a censura às artes - Coluna Ricardo Cravo Albin

No desabrochar dos 80, quando lutávamos contra a censura às artes nas barbas do ministro da Justiça de Figueiredo, o deputado Ibrahim Abi-Ackel (pai do hoje deputado Paulo Abi-Ackel, relator do primeiro julgamento pró-Temer na Câmara), ocorriam proibições à cultura a torto e à direita.

Éramos um pequeno grupo de representantes da sociedade civil. Eu, pelas emissoras de rádio e televisão, designado pelo Boni, da TV Globo, em acerto com Roberto Marinho. Havia notáveis como Pompeu de Souza (pela ABI), Daniel Rocha (SBAT) e Suzana Moraes (cinema), entre outros, como o grande José Cândido de Carvalho, da ABL.

Acodem-me essas memórias quando me dou conta agora dos humores sensórios que vêm se amiudando. Uma frase de protesto me comoveu na época, até porque a empregávamos com razoável frequência entre 1979 e 1989, quando chamávamos a censura de “a velha dama indigna”. O que Millôr Fernandes refez para “a velha bruxa digna de fogueira”.
Recebo agora uma voz surpreendente e ilustríssima, que me chegou por e-mail, do artista universal da China Ai Weiwei - asilado de seu país pela coragem de apregoar a liberdade. WeiWei, que adora o Brasil, iniciou seu pensamento com uma grave reflexão: “A censura às artes é o primeiro passo”. Nada tão sábio e contundente.

O primeiro passo de quê mesmo, cara pálida? Da perda sequencial das liberdades de ir e vir, pensar ou falar. Ou seja, a falta da liberdade de expressão, leia-se ditadura.

Ao Weiwei soma-se agora um coro de protestos de intelectuais. Porque vêm sendo intimidadoras as proibições a algumas obras de arte. Não carecem citar aqui as agressões sensórias à exposição da instalação “Homem Nu”, aos quadrinhos gays na Bienal do Livro, à agressão a terreiros de candomblé, etc, etc. E à castração estratégica, quase desprezo, ao desfile glorioso e essencial das escolas de samba, diminuindo-lhes as verbas necessárias e tradicionais por décadas.

É obrigatório que os dirigentes do Rio se deem conta da importância decisiva desta grande festa. Em especial para a identidade cultural do Brasil, sobretudo para a alma do Rio. Quanta cegueira.

Também me inquieto com o que leio sobre o risco da censura obrigatória localizada. Um receituário esdrúxulo que pede a babel de várias sentenças sensórias, que vão de juízes de menores a comarcas específicas de vários estados. Ou seja, comarcas regionais ditando o que é certo ou errado, o que é bom ou mau. Contra isso lutamos em passado remotíssimo (anos 80).

Jamais imaginaria que voltassem as velhas damas indignas, as bruxas peçonhentas que deveriam arder na fogueira em preito à liberdade de expressão. Estarão de volta? Espero que Regina Duarte aceite o convite que lhe fez o presidente. E que volte o Ministério da Cultura. Mas por favor não critiquem de véspera uma das melhores e mais ativas atrizes do Brasil.
Cabe à consciência culta e libertária dela, Regina, e a do país, dar um basta à insensatez. Ao menos, tentar e advertir. Antes que seja “o primeiro passo”.