Guatemala está no caminho do autoritarismo, diz filho de jornalista preso

Por: Sylvia Colombo 

O veterano jornalista guatemalteco José Rubén Zamora, 65, estava em casa com netos e familiares na noite de sexta-feira (29) quando a polícia chegou. Depois de mais de seis horas mantendo a todos dentro da residência, os oficiais levaram Zamora preso, sem explicar as razões.

Enquanto isso, as instalações do jornal do qual ele é fundador, El Periódico, sofria um processo de busca e apreensão e seus jornalistas e funcionários permaneceram mais de 12 horas detidos, sem receber comida ou água, até que os policiais saíssem.

"É uma arbitrariedade. Há 30 anos meu pai expõe casos de corrupção de vários governos", afirmou à reportagem José Carlos Zamora, 45, filho do jornalista, que se encontra em Miami.

"Estou angustiado porque minha mulher e meus filhos pequenos estavam lá e passaram por horas de terror, além de terem visto o avô ser levado [pela polícia]."

Zamora é um dos jornalistas mais reconhecidos do país, tendo ganhado o prêmio Maria Moors Cabot, outorgado pela Universidade de Columbia, por "promover a liberdade de imprensa e o entendimento interamericano". Além do El Periódico, ele fundou outros dois jornais, Siglo Veintiuno e Nuestro Diario.

A procuradoria guatemalteca afirma que as ações são parte de uma investigação sobre suspeita de lavagem de dinheiro, que Zamora diz tratar-se de mentira. Ao ser levado, o jornalista afirmou ser um "preso político". A primeira audiência sobre o caso será ainda nesta segunda-feira (1º).

José Carlos, que viajará para a Guatemala para acompanhar as audiências e tentar libertar o pai, diz que está muito preocupado com a escalada da perseguição a opositores e jornalistas no país. "Não gostaríamos de passar a ser como a Nicarágua, mas parece que vamos neste caminho."

A prisão de Zamora se insere em um contexto de desmonte das estruturas que haviam transformado a Guatemala num caso de sucesso na investigação e na punição de crimes de corrupção.

A Comisión Internacional Contra la Impunidad en Guatemala (CICIG), uma comissão criada pelo governo e com a participação das Nações Unidas, desvelou diversos escândalos. Atuou entre 2006 e 2019 e, em 2015, apresentou as evidências de desvio de verba pelo próprio então presidente, Otto Pérez Molina, que renunciou em meio a um processo de impeachment e foi preso.

Além dele, a CICIG ajudou a desmantelar 70 estruturas de corrupção e fez denúncias que geraram mais de 400 prisões.

Seu sucessor, Jimmy Morales, que assumiu em 2016, a princípio apoiou o órgão. Quando seus familiares passaram a aparecer em casos de corrupção, porém, começou a critica-lo e, em seguida, a desmontar a comissão, impondo obstáculos à sua atuação e depois expulsando do país promotores e magistrados que trabalhavam com a entidade.

Na gestão de Alejandro Giammattei, o avanço contra a Justiça é ainda mais contundente. Além de expulsar completamente a CICIG, o presidente iniciou um processo de demissão de vários promotores e juízes que atuavam em casos de corrupção -há mais de 30 deles hoje no exílio.

“Agora creio que estão no próximo passo. Depois de avançarem contra a Justiça e desmontarem a CICIG, estão calando a imprensa, porque muitas das denúncias que foram investigadas nos últimos anos foram alimentadas por denúncias publicadas no jornal de meu pai, que sempre fez questão de manter-se no jornalismo investigativo a qualquer custo", afirma José Carlos.

GREVE DE FOME

José Rubén Zamora havia iniciado no sábado uma greve de fome, mas no domingo, sua esposa o visitou na prisão e o demoveu da ideia.

"Não sabemos quanto isso vai durar. Que bom que minha mãe o convenceu a comer", diz o filho do jornalista. "Nossa esperança é que ao menos o liberem para responder o caso em liberdade. Mas como todos sabemos que se trata de uma questão política, tudo pode acontecer. Estamos muito preocupados."

A gestão de Giammattei está se tornando cada vez mais autoritária e seus avanços sobre as instituições do Estado têm chamado a atenção de organismos internacionais. Em junho deste ano, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos acrescentou a Guatemala à lista de países que cometem graves violações aos direitos humanos, ao lado de Cuba, Venezuela e Nicarágua.

O departamento de Estado dos EUA, a União Europeia e as Nações Unidas também expressaram preocupação pelos ataques a juízes e jornalistas que trabalham em casos de corrupção e estão sendo perseguidos.

O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) pediu a liberação imediata de Zamora, enquanto a Sociedade Interamericana de Prensa (SIP) pediu a Giammattei garantias à liberdade de imprensa.

José Carlos conta que foi morar nos EUA quando, ainda adolescente, viu sua casa ser invadida e passou horas sequestrado por milícias paralelas do Estado. Ele diz que seu pai "não tem medo e vai continuar fazendo o que faz". "É uma pena que essa ação de intimidação debilite o jornalismo local, mas esperamos que esse processo de perseguição pare, com a atenção internacional que o caso está recebendo", afirma.