Justiça sem fronteiras, a marca registrada do TPI

Por Gustavo Barreto

Sigla pouco conhecida do público em geral, o Tribunal Penal Internacional (TPI), ganhou destaque ao longo do ano. A principal corte jurídica do mundo esteve sob os holofotes ao condenar o ex-chefe de guerra congolense Bosco Ntaganda. E agora deverá julgar mais um chefe de Estado. A pedido da justiça chilena, o presidente Sebastian Piñera deverá responder pela morte de 23 civis mortos pelo exército na repressão à manifestações populares que tomaram conta do país. Até o governador do Rio, Wilson Witzel, que participou de uma operação militar armado de fuzil, está na mira da corte internacional.

Estabelecido no Estatuto de Roma, em 2002, o Tribunal Penal Internacional funciona de maneira independente a ONU e atualmente conta com 122 países signatários. Suas funções visam condenar indivíduos e não Estados de uma forma geral.

A advogada criminalista, Glauce de Arruda Makoski, do escritório SR Advogados Associados, estabelece que o Brasil historicamente tem um papel importante no TPI. O Brasil tem exercido papeis de liderança nas reuniões em que os Estados participantes tratam de ajustes com vistas a promover maior aceitação e a consolidação do TPI. A brasileira Sylvia Steiner, que participou do corpo de Juízes do tribunal até 2012. Hoje ela integra o Comitê Consultivo para Nomeações.

De acordo com o estatuto do TPI, o órgão tem competência para julgar casos envolvendo “crimes que preocupam a comunidade internacional”; tais como genocídio (art. 6), crimes contra a humanidade (art.7), de guerra (art.8) e agressão.

No que se refere a jurisdição do órgão, o artigo 1.2.1 do parágrafo 1, limita a acusados naturais de países signatários do tribunal ou que reconhecem sua  jurisdição/ caso o crime tenha ocorrido em um Estado signatário ou que reconhece a jurisdição do tribunal. 

A advogada Glauce Makoski afirma que existem penas pré estabelecidas para o réu condenado nessa circunstância.

- Ao ser considerado culpado, o réu será sujeitado as seguintes penas: a reclusão pelo prazo de 30 anos ou prisão perpétua, dependendo do delito; multa; confisco de bens procedentes direta ou indiretamente da prática do crime. Já sobre aonde ocorrerá o cumprimento das penas privativas de liberdade, elas podem ocorrer em qualquer Estado indicado pelo tribunal e que tenha manifestado a vontade de receber condenados.

Outro elemento dos trâmites legais do TPI é que ele age em caráter complementar às juridições nacionais, ou seja, o Estado manterá a prioridade de realizar uma investigação e o Tribunal Penal Internacional assumirá o caso apenas se o governo em questão abdicar do processo.

- A jurisdição do tribunal não é estrangeira, mas internacional, podendo afetar todo e qualquer estado membro da ONU. Incide apenas em casos raros, quando
as medidas internas dos países se mostrarem insuficientes ou omissas no que diz respeito ao processo e julgamento dos acusados, bem como quando desrespeitarem as legislações - explica.

 

De Nuremberg a Milosevic: o sistema penal como mediador atemporal

Desde muito antes do fim da Segunda Guerra Mundial, a comunidade das nações já possuía um sistema jurídico formalizado. Os primeiros modelos a propor
encontros formais no campo jurídico foram as convenções de Haia de 1899 e 1907 no qual foram estabelecidos os primeiros acordos referentes a crimes de
guerra.

Em 1920, no contexto de atuação da antiga Liga das Nações, foi criado o Tribunal Permanente de Justiça Internacional para julgar os episódios de crimes internacionais sob o escopo organizacional da própria Liga das Nações.

Mesmo tendo sido bem elogiado por trazer um modelo de execução inédito até então, estando atrelado a um órgão diplomático maior, o tribunal não conseguiu conter a dissolução política europeia.

O órgão consequentemente seria interrompido por volta dos anos 30; conforme o cenário de crise econômica da crise de 1929, dos avanços militares da Itália
sobre a Etiópia e da Alemanha sobre a Polônia se desenrolavam.

HOLOCAUSTO

Em 1946, foram julgados os chamados “Processos de Guerra de Nuremberg” nos quais oficiais nazistas foram responsabilizados por participarem na execução do holocausto. Um tribunal militar composto por membros da coalizão aliada então julgou esses indivíduos Em primeiro de outubro de
1946 parte dos acusados receberam a sentença: 12 oficiais nazistas de alta patente foram condenados a morte por crimes cometidos pelo reich alemão. Após o veredito final o Tribunal de Nuremberg foi dissolvido.

Junto a fundação da Organização das Nações Unidas, veio a firmação do Tribunal Internacional de Justiça. Diferente do Tribunal Penal Internacional, o TIJ é um braço da ONU e possui autonomia para julgar Estados acusados de crimes contra a humanidade.

Sendo ainda a principal referência ainda ativa para processos judiciais, o Tribunal Internacional de Justiça coleciona participação em alguns dos grandes momentos do século XX. Dentre eles, destaca-se o caso “Estados Unidos da América versus Irã”, de 1980, no qual o tribunal mediou a libertação de funcionários do corpo diplomático americano mantidos como reféns em Teerã desde o ano anterior. No veredito, a corte concluiu que os estudantes e militantes que invadiram a embaixada americana eram agentes do governo iraniano.

Em 1993 foi estabelecido o Tribunal Criminal Internacional para a antiga Iugoslávia com o objetivo de julgar o antigo presidente da Sérvia e Iugoslávia,
Slobodan Milošević, por crimes contra a humanidade.

Os julgamentos ocorreram entre fevereiro de 2002 até março de 2006. Milošević foi formalmente acusado de 66 crimes de genocídio, guerra e contra a humanidade. O processo também contou com a participação o de 295 testemunhas comprovadas e mais de 5 mil evidências. Em 2006, a Corte internacional
o considerou inocente.